Meu olhar crítico

Toda cultura tem seu lado bonito. Mas toda cultura tem seu lado crítico. Por que não escrevi sobre isso antes? Porque é óbvio que 1 ou 2 anos de casamento não são suficientes para enxergar certas coisas.  Muita coisa a gente não vê no inicio ou não dá tanta importância, mas com o passar do tempo a gente se torna mais crítica e mais segura quanto a nossa opinião. Com o passar do tempo a gente percebe que criticar uma cultura não significa xenofobia. Não serei menos indiana ou menos brasileira porque revelo meu olhar crítico. 

 Tem horas que penso que é preciso um certo grau de insanidade para se juntar a uma cultura totalmente diferente, do contrário você não aguenta o tranco.  

Existem certas culturas  que você vira e pensa "meu Deus, que atraso!".

Enquanto estamos preocupados com a carreira, uma vida boa, construir família, outros estão preocupados com desavenças familiares de 30 anos atrás, preocupados com a opinião das pessoas até na roupa que veste, com o que come.  Fico vendo o povo na India, por exemplo, que se preocupa até com as brigas de séculos atrás, ficam discutindo religião, e ainda culpam a mulher na maioria dos crimes sexuais porque ela não estava vestida adequadamente ou passeava sozinha.

Outros ficam preocupados se o primeiro filho de um casal vai ser homem. É incrível, mas até hoje eles pensam assim. A filha não tem herança dos pais (pois ela faz parte da família do marido e na maioria das vezes a única garantia que ela tem são as jóias do casamento), então a família precisa de um menino, do contrário, os parentes se apropriam dos bens. O aborto ainda ocorre muito, a mulher sofre até o dia de dar à luz porque não sabe se vai ser menino ou menina enquanto a família do marido faz tortura psicológica.

Homens e mulheres não se misturam, é comum nas escolas as meninas sentarem de um lado e os meninos de outro. Não cultivam uma amizade juntos, não brigam e fazem as pazes, coisa de criança. Não descobrem que é possível lidar com o sexo oposto de uma forma inocente. 

Quando crescem continuam vivendo separados, e, depois que casam também. Homens num sofá, mulher no outro mas as conversas não fluem. Quando recebemos amigos do meu marido, por exemplo, os homens tem vergonha de falar comigo, e quando conversam, é tudo com muito cuidado, as palavras são medidas. Não tem essa de sentar todo mundo junto e conversar sobre qualquer assunto, enquanto eu tenho medo de ser espontânea demais e eles me acharem oferecida.

Às vezes as mulheres ficam juntas na cozinha ou no quarto conversando enquanto os homens ficam na sala. Não dividem nada, tudo é assim: homem de um lado, mulher de outro.

Isso influencia o alto grau de machismo. A mulher é vista no seu papel de irmã, filha, nora, esposa, enquanto o homem é visto como o marido, deus, provedor do lar, pilar da família. A mulher que não tem filhos é chamada de seca, a sociedade julga. A culpa nunca é do homem.

A maioria dos homens enxergam a mulher como um objeto, é difícil de explicar, não me refiro a objeto sexual. Quero dizer algo sem cérebro, sem sentimentos como se a felicidade fosse suprida com um marido rico e muito ouro. Parece que os homens enxergam alguém para casar, limpar, obedecer. Quando a moça é jovem ela obedece os pais e irmãos. Depois que casa deve obedecer os sogros e marido. São extremamente controladas e isso reflete na postura do homem, sempre controlador, é muito esquisito, parece que elas sabem lidar com isso de uma forma bem diferente da forma que nós ocidentais conseguimos lidar.

Quando dizem que na India não há privacidade, as pessoas já imaginam a família toda morando numa mesma casa. Não é bem assim, falta de privacidade inclui intromissão em tudo. Por exemplo, não existe "segredo" se aconteceu alguma coisa hoje todo mundo  saberá amanhã. Eles só sabem manter segredo se é em nome da honra, como esconder quando a mulher tem filho de outro casamento, esconde divórcio, esconde dos outros se a mulher bebe.  Tem que rir, né.

Claro que tem as exceções mas a maioria vive assim. Por isso eu falo que não acredito em contos de fadas porque para não conflitar o tempo todo você aprende a ser uma ótima atriz e quem mostra que tudo é tão simples eu acho que está atuando.

Tem coisas na cultura indiana que está na minha alma, amo. Mas tem coisas que divergem daquilo que sempre vivi e não posso esconder. Fico triste quando vejo que muitas mulheres ainda vivem assim na Idade Média.
Eu me lembro que antes de me casar e negaram o visto do meu marido, eu comecei a chorar para a minha mãe e perguntei porque eu não havia nascido na Índia?! Por que eu havia nascido no Brasil...tão longe?!
Hoje tenho a resposta! Para nascer na India tem que ter muita fibra, ser muito forte. Acho que Deus viu que sou muito sensível e percebeu que não era minha alçada.  Ouvi dizer que viver na India te faz forte. Acho que é verdade.

Abraços!!

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